Ou: vamos falar de assédio persistente.
Muitos dos que acompanham o blog sabem sobre o tema do meu
tcc, porque eu tenho muito orgulho desse filho e falo dele pra todo mundo. Para
os que não sabem, no último sábado, pela manhã, eu estava descrevendo os
resultados da pesquisa que fiz sobre stalking* (em português a tradução mais
próxima seria assédio persistente) e, considerando o tamanho da minha amostra,
o fato de ser uma universidade particular, podemos dizer que fiquei realmente
assustada. E comentei pelo facebook o quanto nós precisamos falar sobre assédio
persistente.
É uma pena que, dada a atual situação política do país, um
escândalo explodiu na segunda-feira (23/05) e hoje o caso que poderia ter tido uma
repercussão extremamente positiva no que diz respeito ao debate sobre o assunto
já não está mais circulando por aí. As pessoas, honestamente, já passaram para
a próxima notícia. Porém, aqui vai a novidade: stalking não é “privilégio” de
gente famosa. Acontece diariamente, com mulheres (e homens) anônimas, em todos
os lugares, de todas as classes sociais.
Mas, o que é stalking? A pergunta é excelente, já a resposta
é extremamente complicada. Os países nos quais o assédio persistente é tipificado
no Código Penal, comumente o identificam por um padrão intencional de
comportamentos indesejados que resultam na experiência de medo do alvo, ou
comportamentos que uma pessoa “razoável” observaria como ameaçadores ou
temerosos (Nyholm, 2010). Acredito que não haja dificuldade alguma em perceber
onde está o problema de tal definição: o stalking é o único crime que exige que
a vítima demonstre uma determinada resposta para que seja considerado crime.
Quando uma mulher sofre violência doméstica, ninguém questiona se ela sentiu
medo com o ocorrido para que seja iniciado um processo. Agora, estudos apontam
que 1/4 das mulheres que passaram por uma experiência de assédio persistente
não demonstraram medo, não se sentiram ameaçadas ou temerosas. Seria justo que
a experiência dessas mulheres fosse desclassificada e que o sofrimento e o
incômodo causados na vida das mesmas fossem considerados “menos importantes” por
não terem respondido à situação da forma como foi pré-determinada que devessem
responder?
As discussões em torno do tema são infinitas: qual seria a
linha tênue entre o que é permitido, o que é “aceitável” e o que é invasivo?
Nossa sociedade, constantemente, incentiva o assédio persistente. Os
comportamentos excessivos são vistos como românticos, como atitudes de carinho
e afeto. Podemos pensar em infinitas frases como “ele só está te ligando tanto
porque ele gosta de você”, “ele foi atrás de você naquela festa e naquele café
porque ele queria te ver!”, dentre muitas e muitas outras.
O caso de Ana Hickmann foi um caso de assédio persistente –
e foi o caso de uma celebridade. O interesse pelo tema, academicamente e
legalmente falando, surgiu devido aos casos frequentes de stalking a pessoas
famosas; até o momento em que se percebeu que não ocorria somente com os que
estavam na mídia. Para quem não acompanhou as notícias, em resumo, o que ocorreu, foi que um homem postava
milhares de declarações através do instagram, utilizando de linguagem chula e expondo
a apresentadora de forma perturbadora. No último sábado, ele invadiu o hotel no
qual ela estava hospedada portando uma arma — e a história acabou com uma morte (do agressor) e um ferido (a cunhada de Ana Hickmann).
São infinitas as coisas que poderíamos tirar para discussão a partir desse caso, mas vamos falar sobre o que considero como sendo os pontos principais:
Em primeiro lugar, a mídia não sabe retratar um caso de
violência contra a mulher. Isso é fato e não somente no que diz respeito ao
assédio persistente. Se temos uma mídia que não sabe como falar a respeito de
um caso de estupro, que acontece todos os dias, várias vezes ao dia de acordo
com as estatísticas, quem dirá a respeito de um tema que não se estuda e não se
fala sobre em nosso país. Os sites de jornais e revistas se referiram ao
agressor como “fã”, a suas mensagens como “mensagens de amor e carinho”.
Querida mídia: não é amor, não é carinho, não é fã. É stalking. E as
consequências podem ser essas que presenciamos recentemente, dentre tantas outras.
Além disso, precisamos falar sobre a importância de darmos
nomes às coisas. É importante chamarmos os casos de stalking exatamente daquilo
que são: casos de stalking. Quando não damos “nomes aos bois”, nós não sabemos
que aquilo acontece, nós não olhamos as estatísticas e consequentemente nada é
feito a respeito. O caso da Ana Hickmann sendo apresentado como “fã apaixonado”
não é relacionado ao caso da mulher que ninguém conhece e que foi noticiado em
uma nota de rodapé lá no site do G1 como “mulher é morta por ex-parceiro que
não aceitava o fim do relacionamento”, e muito menos é relacionado a tantos
outros casos que ocorrem diariamente e que não possuem um “fim” digno de
atenção midiática, mas que causa impactos sociais, psicológicos, financeiros e
na rotina de quem é vítima.
O principal propósito desse texto é dar uma guinada na
discussão. Nós precisamos falar sobre assédio persistente porque ele é
silencioso, porque é uma violência coberta, aceita, incentivada. Nós precisamos
falar sobre isso, contar nossas histórias, ouvir as histórias dos outros e
discutir o que pode ser feito a respeito (e aqui não entro no mérito “tipificar
o crime no código penal” porque eu sou completamente descrente quanto ao
mesmo).
O assédio persistente faz mal sozinho, mas pode ser, também,
o caminho para outras infinitas formas de violência.
E já passou da hora de darmos a devida atenção ao assunto.
* stalking: termo em inglês que, em tradução literal para o português, significa "perseguição"; porém, nos meios acadêmicos, discute-se que o termo mais adequado para tradução seria "assédio persistente".
SAIBA MAIS - algumas estatísticas:
Todas as informações a cima são referentes à estatísticas dos Estados Unidos. Como dito no texto, o Brasil está muito atrás em pesquisas e nós não estamos tratando o assunto com a seriedade que merece.
Referências:
* stalking: termo em inglês que, em tradução literal para o português, significa "perseguição"; porém, nos meios acadêmicos, discute-se que o termo mais adequado para tradução seria "assédio persistente".
SAIBA MAIS - algumas estatísticas:
- Em um ano, 7.5 milhões de pessoas sofrem stalking nos Estados Unidos;
- 1 a cada 4 mulheres e 1 a cada 13 homens irão ser vítimas de stalking em algum momento de sua vida;
- 21% das experiências ocorrem durante o relacionamento íntimo, 38% durante e depois o término do relacionamento e 43% depois que o relacionamento terminou;
- Impactos: isolamento, hipervigilância, transtorno pós-traumático, pesadelos, pensamentos suicidas, culpa, auto-medicação com drogas ou álcool, raiva, vergonha, depressão, confusão, dentre outros;
Todas as informações a cima são referentes à estatísticas dos Estados Unidos. Como dito no texto, o Brasil está muito atrás em pesquisas e nós não estamos tratando o assunto com a seriedade que merece.
Referências:
- Estatísticas (deixo o link do pdf, pois se trata de um guia de campanha muito interessante, porém inteiro em inglês): ttp://stalkingawarenessmonth.dreamhosters.com/sites/default/files/NSAM%202016%20Social%20Media%20Posts%20Final.pdf
- Quanto a definição legal utilizada no texto: Nyholm, H. H. (2010) Stalking. Em Brown, J. & Campbell, E. A. The Cambridge Handbook of Forensic Psychology. (pp. 562-570). New York: Cambridge University Press.
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