E eu acredito na representatividade (e na empatia) feminina: a importância de Mulher-Maravilha

Eu acreditei que seria capaz de não escrever sobre Mulher Maravilha, mas eu deveria ter imaginado que seria mais forte do que eu. Assisti ao filme três vezes no cinema - não mais somente por falta de oportunidade mesmo. E cada uma delas despertou coisas semelhantes e diferentes em mim. Toda vez algo novo me sobressaltava e eu me sentia um tantinho mais encantada com o que estava assistindo.

Quadrinhos nunca foram muito a minha praia, apesar de já ter tentado entrar nesse universo algumas vezes. Então, eu não tenho (que fique claro) o embasamento "ah mas nos quadrinhos é assim..." que muita gente por aí tem. O meu ponto de vista é só isso mesmo: um ponto de vista; e de alguém bastante leigo no assunto "HQs" porém bastante envolvida no assunto "ser mulher".

A primeira vez em que assisti ao filme, eu não soube nem como reagir. Passei quase toda a sessão inclinada para a frente, com os braços apoiados nas pernas, como se eu quisesse entrar na tela do cinema (e eu queria mesmo). Cada cena me fazia pensar nos filmes do Capitão América ou do Homem de Ferro que tentei por algumas vezes assistir, mas se consegui terminar não ficou nem registrado em minha memória.
Achei simplesmente incrível estar assistindo a um filme de super-herói que me deixasse TÃO empolgada como eu me sentia naquele momento - e foi aí que o baque da representatividade me atingiu.

Muita gente falou/fala sobre a representatividade ser parcial, visto que estamos falando de uma mulher branca extremamente bonita e dentro de todos os padrões. Concordo, mas ainda assim temos uma mulher - algo com o qual todas nós podemos, de alguma forma, nos identificar.

E o impacto disso em mim foi simplesmente sensacional.

(Tradução: Não é de se admirar que os homens brancos sejam tão confiantes o tempo todo, eu vi um filme de heroína e estou pronta para lutar com milhares de caras de "mãos vazias".)

A cena que causou maior impacto em mim - e por tudo que li, na grande maioria das mulheres - foi o momento em que Diana decide atravessar a trincheira.  Foi um momento no qual a minha única vontade era simplesmente levantar da cadeira e ajudá-la a salvar o mundo.
Eu. Com 23 anos.
Agora imaginem o impacto disso em uma criança, uma menina com seus 7 anos em total fase de desenvolvimento (ou melhor, nem precisa imaginar, só acessem esse link sobre a carta que Patty Jenkins, diretora do filme, recebeu).

O diálogo da cena acontece assim:
Steve Trevor: "This is no man's land, Diana! It means no man can cross it, alright? [...] This is not something you can cross. It's not possible."Diana: "So... what? So we do nothing?"
Steve Trevor: "No, we are doing something! We are! We just... we can't save everyone in this war. This is not what we came here to do."Diana: "No. But it's what I'm going to do."¹
Imagem da internet
O que acontece em seguida é de um simbolismo incrivelmente maravilhoso, o qual levei algum tempo até digerir: desde o momento em que pisou na "terra dos homens", Diana teve pequenos encontros com nosso machismo de cada dia - inexistente em Themyscira. Desde o momento em que ela adentra as ruas de Londres e imediatamente sofre assédio, até quando se encontra em espaços predominantemente masculinos e: ou é 1) retirada; 2) considerada 'secretária' (pois é o máximo que ela poderia ser); 3) inferiorizada (como é que uma mulher é capaz de saber outros idiomas enquanto NENHUM HOMEM dessa sala sabe?); 4) julgada exclusivamente por sua beleza.
E de repente lá está ela, atravessando a trincheira, sozinha, buscando atender ao pedido de ajuda de outra mulher e sendo atacada por: homens. A expressão "tiro de todos os lados" nunca soou tão certa e tão cheia de sentido como quando colocada sobre esse momento.

É uma cena incrível. É linda. É simbólica. É forte, é tão forte que eu - e outras tantas mulheres - choramos.

Ainda, a mensagem transmitida pelo filme é tudo aquilo que eu esperava de um filme protagonizado por uma mulher - e aqui é onde entra o principal ponto de críticas por parte das próprias mulheres e, por isso, eu gostaria de argumentar.
O filme diz, basicamente: não existe bom ou mau. Existem seres humanos e dentro de nós existem ambos. O que é exatamente o que precisamos entender em terra de “homens de bem”.

Quando Diana se lembra do que Steve lhe disse, do "eu te amo" e em seguida finalmente se fortalece o suficiente para derrotar Ares, a ideia não é a de que ela precisava de um homem para ser capaz de encontrar a sua força; a ideia é que a possibilidade de um outro ser humano a amar, significa que mesmo entre tanto ódio, tanta guerra, existe amor.

"They are everything you say but so much more"² – Diana.

Nós somos tantas coisas ao mesmo tempo. Dentro de todos nós existe ódio, existe raiva, existe dor e existe amor. E é exatamente isso que Diana entende com a lembrança da despedida do Steve.
Dentre os argumentos contrários a essa ideia do filme, muitos disseram que "por que em um filme de mulher? por que a ideia de 'amor' sobre todas as coisas foi usada justamente em um filme feminino?" – o que faz muito sentido questionarmos, visto que tudo que nos inclui normalmente busca uma linha completamente contrária a linha do poder, das conquistas, da força.

Mas alguns estudos apontam que as mulheres tendem a ser mais liberais em suas visões políticas, a darem maior suporte a programas sociais, especialmente os que destinam-se a ajudar os outros e a apoiarem causas sociais progressistas. Tendem a ser mais propensas a estenderem os direitos civis para as mulheres e para grupos minoritários, possuírem uma mente mais aberta com relação a orientação sexual, a apoiarem a reabilitação de infratores, além de mostrarem tendência a serem menos favoráveis a sanções criminais punitivas.³
E isso não é à toa. 
Isso é resultado da nossa socialização que, por mais cruel e negativa que seja em muitos aspectos, os quais precisamos sim apontar e problematizar, também nos torna mais empáticas, o que deve ser visto como uma vantagem. Quando questionamos a socialização feminina x masculina, precisamos apontar o que é negativo, mas vamos também passar a questionar aquilo que, ao invés de tirarem de nós, precisaríamos também estender aos outros?

Com isso, confesso que eu não poderia ter pedido um desenvolvimento melhor. Uma ideia melhor. Cenas melhores. Diana foi representada da melhor maneira possível: não abaixou a cabeça para absolutamente nada de que discordasse; não fingiu ser menos para causar menor constrangimento aos homens ao seu redor; me deixou tão inspirada como nunca antes um filme desse universo conseguiu.

Por fim, o recado é claro: "It's not about deserve, it's about what you believe".

E eu acredito no poder da representatividade feminina. 



Referências/notas: 
¹ Tradução:
Steve: “Essa é uma terra de ninguém, Diana! Isso significa que nenhum homem pode atravessa-la, está bem? [...] Isso não é algo que você pode atravessar. Não é possível.”
Diana: “Então... o que? Nós não fazemos nada?”
Steve: "Não, nós estamos fazendo algo! Nós estamos! Nós apenas... nós não podemos salvar todo mundo essa guerra. Não é o que nós viemos fazer."
Diana: "Não. Mas é o que eu vou fazer."

² Tradução: "Eles são tudo o que você diz, mas muito mais".
³ Do men and women differ in their perceptions of stalking? - Lambert, Geistman & Cluse-Tolar, 2013
⁴ Tradução: "Não é sobre merecimento, é sobre o que você acredita".

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