Extremista, eu?

Vivo sendo chamada de extremista. O tempo inteiro. Por quase todo mundo — mas, na grande maioria (antes que digam que estou generalizando e, bingo: sendo extremista) das vezes, homens. Não importa a que pé anda a discussão, se estamos falando sobre direitos igualitários ou sobre o preto de favela que foi morto pela PM, eu sou sempre extremista demais, nervosinha, descontrolada, e por aí vai. 

Dia desses, falei em um grupo de amigos que não gosto de frequentar boate hétero. Não gosto mesmo. Na última vez em que pisei numa, eu e minhas amigas fomos cercadas por dois caras inconvenientes, que, mesmo após inúmeros pedidos, não se afastaram. Tivemos que chamar os seguranças — e, ainda assim, depois de um tempo, os caras voltaram. Odeio balada hétero e não é de hoje. Decidi, há muito tempo, deixar de frequentar lugares onde sei que serei hostilizada, que não terei posse do meu próprio corpo (uma vez que já vivo isso, involuntariamente, todos os dias — se eu puder evitar na hora de decidir pra onde ir, farei; por quanto tempo precisar) e, se protestar pelo direito de dizer "não", correr o risco de sofrer algum tipo de violência física — a verbal é quase certa. Decidi evitar o máximo da misoginia disfarçada de diversão há muito, muito tempo. 

Falei tudo isso, contei uma, duas, três (três!) situações em que aconteceram exatamente esses tipos de situações de violência. Meus amigos, homens — e até mesmo uma mulher —, duvidaram. "Não é bem assim", "Acho que você apenas está frequentando as baladas erradas", "Nem todo cara é assim". Quanto à minha amiga que duvidou e relativizou a coisa toda, eu só preciso dizer que: não é porque uma situação é desconhecida para você que ela não aconteça com outra pessoa. 

Agora, eu não vou entrar no mérito de explicar os motivos pelos quais você, homem, nunca deve vir com esse papinho de nem-todos-os-homens, porque, pra mim, esse assunto é tão passado e tão chulo, que não cabe mais tratar. Quando uma mulher diz que se sentiu violentada em algum momento da vida dela (99,9999% de chances de já ter acontecido ao menos uma vez na vida de absolutamente todas as mulheres, mas tá!), o mínimo que você, enquanto homem, pode fazer é abaixar a cabeça e repensar suas próprias atitudes pra não ter a mesma que a mulher relatou. A postura correta é essa. Não vir na defensiva atirando que nem-todos-os-homens ou não-é-bem-assim.

Isso também é violência. 

Isso também é silenciamento. 

Isso também é... atenção... MACHISMO!

Pa pa pa pa!

Ao vir com o papinho de nem-todos-os-homens, você está tentando diminuir/apagar/invalidar a vivência de uma mulher, sobre a qual ela e tão somente ELA deve ter voz na hora de falar. 

Você entra exatamente no grupo de todos-os-homens. 

Você confirma o discurso dela.

Você prova que, sim-todos-os-homens.

Quando eu disse isso (e, veja, não foram uma ou duas vezes: foram várias vezes, porque convivo com muitos homens e em muitos ainda tenho fé na hora de conversar; nem sempre ela persiste), o que eu ouvi foi: "Impossível conversar contigo; você é muito extremista". Aqui, eu sou mais uma vez vítima de machismo, porque estou tentando gritar sobre algo que me incomoda e estou sendo silenciada. E a pior parte é que eu passo a me questionar se sou mesmo extremista, se não estou exagerando, se não estou enlouquecendo. Eu internalizo a violência atirada na minha cara e questiono a minha própria postura enquanto vítima. Eu me culpabilizo, me diminuo. Eu absorvo o discurso que o patriarcado quer que eu absorva: se você, mulher, está incomodando algum homem, ao relatar qualquer coisa que ele não quer que você relate, ei, você precisa voltar "ao seu lugar" e ficar quietinha.

Ligo a tv. Mais uma mulher morta pelo namorado devido a um ciúme doentio que leva-o a crer que ela é propriedade dele. Troco o canal. Globeleza, negra, nua, sambando em horário nobre, como se um objeto fosse. Mudo o canal mais uma vez. O Espírito Santo é, há dez anos, segundo o repórter, o estado que mais mata mulheres apenas por serem mulheres. 

Me pergunto quantas dessas mulheres pediram por socorro. Quantas tentaram relatar abusos. Quantas tiveram seus relatos diminuídos por homens que acham que não é bem assim e que nem todos os homens. Quantas delas tentaram avisar que estavam sofrendo violência psicológica constante até que essa violência se materializasse em forma de uma facada no pescoço ou um tiro na nuca. Quantas delas precisaram morrer para serem, enfim, ouvidas.

Desligo a tv.

Extremista, eu? 

Sério?



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