Dica de leitura: A Arte de Pedir - Amanda Palmer

"ALGUÉM TEM UM ABSORVENTE? ACABEI DE FICAR MENSTRUADA, anuncio em voz alta a ninguém em particular no banheiro feminino de um restaurante em São Francisco, ou a quem estiver no camarim de um festival de música em Praga, ou ao pessoal entretido na cozinha de uma festa em Sydney, Munique ou Cincinnati.
(...)
Hoje é a minha vez de pegar o absorvente. 
Amanhã será a sua.
Existe um círculo cármico constante de absorventes. Descobri que existe também com lenços de papel, cigarros e caneta.
Muitas vezes me perguntei: será que existem mulheres tímidas DEMAIS para pedir? Mulheres que preferem enrolar um monte de papel higiênico e enfiar na calcinha, em vez de pedir um favor num lugar cheio de desconhecidas? Devem existir. Mas não eu. De jeito nenhum. Não tenho o menor medo de pedir. De pedir nada.
Sou DESCARADA."

Assim é que Amanda Palmer, artista americana, casada com um dos maiores escritos de ficção da atualidade, Neil Gaiman, começa o último livro que li em 2015 — e o que eu preciso levar pra 2016 com todo o carinho no meu coração. A Arte de Pedir é um livro, eu descobri, que muda as vidas de muitas pessoas. Mudou a minha, mudou as de mais duas amigas e eu espero que sirva para muita gente ainda. Resolvi dizer alguns dos motivos pelos quais acho que este é um livro essencial.

Em 2015, eu comecei e encerrei meu tratamento com psiquiatria e voltei à psicóloga, o que precisarei fazer por toda a minha vida, ao menos duas vezes por mês. Passei longos anos lutando contra a depressão e o ódio a mim mesma, tempo que poderia ter sido muito reduzido se eu fosse capaz de pedir ajuda ao invés de fazer tanto esforço para deixar dicas de que precisava ser ajudada. Lembro-me exatamente da noite em que meu irmão, após mais um surto meu, veio até meu quarto e disse: "Quero que você saia dessa e vou te ajudar". Ele pegou as dicas, mas seria muito mais fácil se eu simplesmente pedisse por ajuda.



Pedir por ajuda não é uma tarefa automática, exige muito treino, dia após dia. Porque pedir ajuda significa se assumir vulnerável, e todos nós odiamos fazer isso — somos levados a nunca, jamais, fazê-lo. Contudo, neste livro, que nada mais é do que um desabafo pessoal muito sincero, Amanda Palmer faz questão de lembrar-nos que somos humanos e, portanto, limitados — e que não há absolutamente nada de errado nisso, muito pelo contrário. A beleza em ser vulnerável e se assumir assim reside em perceber que absolutamente todas as pessoas também o são — e, juntas, elas se ajudam mutuamente e a vida se torna muito menos pesada do que por vezes parece ser.

Mas, não. Pedimos desculpas antes de pedir ajuda, porque sempre pensamos que estamos incomodando os outros, que, por vezes, não querem nada além de fazer exatamente isto: ajudar. Desculpamo-nos por nossas fraquezas, perdemos tempo demais pensando no quão errados somos por não sermos invencíveis, ao invés de entender que ninguém está imune a momentos de fraqueza, que tudo bem e que ajudar é tão natural quanto ter falhas. A graça é justamente a imperfeição. De todo mundo.

Ainda assim, pedimos desculpas.

Isso porque somos treinados para pensar que nessa sociedade não existe lugar para os fracos. Estamos sempre brigando por um lugar ao Sol, pelo primeiro lugar, pelas maiores notas e o carro do ano. Estamos constantemente nos desafiando e quase não sobra espaço para nos permitir encarar nossas fraquezas. Assim é que Palmer relata as diversas vezes em que ouviu "ARRUME UM EMPREGO!" quando trabalhou como estátua de rua, e, mais tarde, quando resolveu voltar-se ao financiamento coletivo, pedindo ajuda de seus fãs [ela é cantora]. De crítica em crítica, poucos laços são criados, a vulnerabilidade é vista como inaceitável e a condição humana se torna cada vez mais distante. 

Distanciamento, aliás, é outro conceito muito bem trabalho pela autora. Trabalhando como estátua, ela diz, muitas foram as vezes em que pessoas solitárias pararam na frente dela apenas para trocar olhares. Elas colocavam as moedas ali, Amanda olhava para elas em agradecimento e o que acontecia naquele instante parecia uma cumplicidade instantânea, um momento de intimidade que é cada vez menos comum. As moedas eram o que Amanda precisava e seu olhar era o que aquelas pessoas precisavam. Todo mundo acabava saindo com menos peso na existência. Minha amiga, Anna, disse que, desde que leu o livro, já interagiu com algumas estátuas humanas e foram experiências únicas. Experiências de ver e ser vista.

"Naquele mesmo retiro de ioga, ficamos de pé, parados, um de frente para o outro, em pares, nos olhando bem de perto. Era para simplesmente ESTAR com a outra pessoa, mantendo contato visual, sem fazer nenhum gesto social para ficar à vontade, como rir, sorrir ou pestanejar.
E as pessoas choravam. Homens e mulheres. Soluçavam de verdade. 
Quando terminamos o exercício, comentamos nossas sensações. O mesmo tema ressurgiu várias vezes: muitos nunca tinham se sentido tão vistos pelo outro. Vistos sem paredes, sem críticas... só vistos, reconhecidos, aceitos. A experiência foi — para muitos — dolorosamente rara."


Palestra da Amanda no TED Talks, que inspirou o livro.

O que eu levo desse livro vai muito além do que seria capaz de expressar em um post, então eu só espero que ele sirva para lembrar-me que é ok ser vulnerável, assumir-me assim, pedir ajuda e estar sempre com os olhos bem atentos, as mãos bem abertas e a mente preparada. Olhos atentos para saber quando o outro me pede ajuda silenciosamente através de sinais, mãos abertas para ajudar qualquer pessoa que precise de ajuda e a mente preparada para saber distinguir quando ajudar o outro e quando ME ajudar — bem como aceitar que a vulnerabilidade também reside em, às vezes, não ser capaz de ajudar como gostaria. Ter empatia com os outros e ser gentil comigo mesma, em resumo. É o que eu espero para 2016 — e a única meta que irei estabelecer para mim.

Por fim, fica a dica de um livro maravilhoso e a esperança de que ele mude a vida de vocês também. A minha eu sei que ele mudou.

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