Dica de leitura: Amor Amargo - Jennifer Brown

(contém alguns spoilers sobre o livro, o que de forma alguma modifica a experiência da leitura)

"Eu amava Cole, mas, às vezes, amá-lo era como andar de montanha-russa sem conseguir recuperar o fôlego entre curvas e quedas."

Dentre as infinitas passagens de Amor Amargo, escrito por Jennifer Brown, que marquei durante a minha leitura, acredito que essa seja a que melhor representa um relacionamento abusivo - e por isso decidi colocá-la antes de iniciar o texto. O primeiro livro da autora – referente aos que foram lançados no Brasil - foi A Lista Negra, o qual conta a história de um caso de bullying que terminou em massacre. Com sua segunda obra traduzida, essa sobre a qual escrevo, Brown demonstra sua capacidade invejável de tratar assuntos extremamente importantes e relativamente "pesados" de forma impecavelmente clara e muito bem desenvolvida.

(Imagem da internet)
(Imagem da internet)

Há muito tempo alimento um interesse imenso pela dinâmica envolvida em relacionamentos abusivos: por que ela não vai embora? Por que é tão difícil para a mulher se livrar desse tipo de ligação completamente tóxica? Por que muitas mulheres (e homens) amam os homens (e mulheres) que lhes fazem tão mal? (deixo a relação homem-mulher como principal referência porque, em primeiro lugar, o livro trata de um relacionamento heterossexual e, em segundo lugar, sabemos que apesar de relacionamentos abusivos serem possíveis de acontecer entre homens-homens; mulheres-mulheres; homens-mulheres; mulheres-homens, o relacionamento heterossexual e a violência sobre a mulher prevalecem). Honestamente, apesar de todo o meu esforço para compreender tal questão, tenho absoluta certeza de que a dinâmica é ainda mais complexa do que eu, hoje, posso entender. Porém, a leitura desse livro me proporcionou uma experiência incrível: a possibilidade de acompanhar, passo a passo, da construção, do desenvolvimento, desse tipo de relacionamento.

Em termos gerais, Amor Amargo conta a história de Alex, uma garota que está em seu último ano do ensino médio e que perdeu a mãe em um acidente de carro que ocorreu quando a mesma estava indo embora de casa, algo que a menina nunca conseguiu superar. Alex tem dois melhores amigos, Bethany e Zach, até o dia em que conhece Cole, um garoto que recentemente mudou para o seu colégio.

O relacionamento de Alex e Cole começa realmente como um romance adolescente. Se você não sabe sobre o que se trata o livro, provavelmente torcerá e muito pelos dois – mas apenas durante os primeiros capítulos. Cole é um garoto muito romântico, carinhoso e vai, aos poucos, demonstrando o interesse que sente pela protagonista. Para mim, um dos principais pontos positivos do livro – e o que o torna tão incrível - é a forma com que a autora consegue te guiar pelos passos da personagem: como o livro é narrado na primeira pessoa pela própria Alex, você se sente na pele da mesma; você acompanha a história pela sua perspectiva, pela forma com que ela enxerga as atitudes de Cole e o porquê o faz.  Tal proximidade com os pensamentos da protagonista chega a ser perturbadora (e por isso, aqui fica o alerta de gatilho emocional), pois é como se sofrêssemos cada agressão – física e psicológica – juntamente com a personagem.

E a manipulação psicológica... É exatamente sobre ela que eu gostaria de falar. Jennifer Brown é formada em psicologia e, para escrever o livro, realizou uma entrevista com um psicólogo americano clínico e forense, chamado Daniel C. Claiborn (as respostas para as perguntas realizadas pela autora se encontram ao final do livro). Acredito que esses dois fatores tenham tido uma influência maravilhosa na forma com que Brown conseguiu descrever toda a história.

Eu, como leitora, posso dizer que meus sentimentos também se mantiveram em uma grande montanha russa durante absolutamente toda a minha leitura. São muitos os momentos em que você quer dar a mãozinha para Alex, sentar com ela num café e falar “amiga, vamos conversar”; ou os momentos em que você sente um “click” dentro da sua cabeça, ao perceber perfeitamente a forma com que a manipulação aconteceu. Você se pega pensando “por que é que você acha que isso é normal?” e no minuto seguinte os pensamentos de Alex te explicam exatamente a forma com que ela se convence de que as atitudes de Cole são, de certa maneira, completamente aceitáveis.

Um relacionamento abusivo se compõe de diversas variáveis. A violência, como citado, não se reduz à física, mas se expande também à moral, à psicológica. Cole é controlador, manipulador, agressivo, stalker – e Brown apresenta de forma brilhante o quanto muitos comportamentos socialmente aceitáveis e considerados românticos são, na verdade, assustadores e, muitas vezes, preditores de comportamentos ainda mais graves – como por exemplo o fato de que Cole fica sempre no restaurante em que Alex trabalha durante to-do o seu expediente, simplesmente olhando para ela e fiscalizando todos os seus passos. Ele afasta Alex de seus amigos, reduz ainda mais sua autoestima, reforça o sentimento de que não há outro no mundo que poderia entende-la e aceita-la melhor do que ele.

"Eu o amava. Eu o entendia. Nós dois nos entendíamos. E isso era raro. Se desistisse da minha alma gêmea... se a deixasse escorrer pelos dedos... será que algum dia seria amada de novo? Não sabia dizer, e tinha medo de descobrir a resposta."

Por fim, visto que eu poderia continuar escrevendo por mais algumas boas páginas, o livro traz mais duas questões extremamente relevantes das quais eu faço questão de falar a respeito. Primeiramente, a culpa: Alex se culpa, em muitos momentos, pelos comportamentos de Cole - o que serve como motivo para que a mesma se mantenha no relacionamento.

"Cruzei os braços na mesa, deitei a cabeça sobre eles e, pensando nessas e noutras coisas, chorei. Chorei pensando que Cole não era assim. Ele estava estressado. Só podia ser, porque, em condições normais, jamais teria feito isso. Ele estava com problemas familiares.E chorei pensando que talvez a culpada fosse eu. Culpada por deixar Zach fazer cócegas em mim no estacionamento e por não ter contado que ia à sua casa naquela noite. Culpada por não ter explicado que Bethany também estava lá e que estávamos só comendo massa de biscoitos e falando de trailers."

E aqui, abro um parênteses e deixo o meu apelo: a culpa não é sua, a culpa não é da vítima. Nenhuma de suas atitudes justifica qualquer forma de agressão contra sua integridade física e psicológica. Lembre-se disso.

Por fim, Jennifer traz a importância de nós, mulheres, ouvirmos umas às outras. Logo no início do livro conhecemos uma ex namorada de Cole – a qual ele chama de louca – e que, posteriormente, passamos a entender muito bem o porquê. A mensagem é clara, mesmo que não expressa: se ajudem. Se apoiem. Escutem umas às outras (afinal, a ex namorada é louca? Por que será? O que ela poderia te dizer sobre isso?).

Enfim, dentre os últimos dias li em torno de quatro ou cinco depoimentos, em grupos feministas, de meninas pedindo ajuda para se libertarem de relacionamentos abusivos. Eu terminei esse livro há mais ou menos uma semana e achei que agora seria um bom momento para compartilhá-lo. A leitura do mesmo, com toda certeza, nos possibilita praticar a empatia, nos colocando no lugar do outro. Para quem observa de fora, é muito fácil atirar pedras e, com certeza, é muito difícil compreender os motivos de quem está envolvido. Amor Amargo te proporciona uma oportunidade excelente de acompanhar a história “de fora”, porém como se estivesse ali, dentro, ocupando o lugar da própria protagonista.

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