Ontem e hoje, a internet explodiu com a notícia de que Carol Moreira, youtuber de longa data, que fala sobre os mais diversos assuntos da cultura nerd e afins, foi assediada — em vídeo — por Vin Diesel. Infelizmente, Carol foi alvo daqueles hate coletivos. Penso que esse grupo de gente fã daquele cara que prefiro não mencionar (muito menos relacionar aos minions, que são fofinhos demais) deve ter uma espécie de grupo no facebook ou no whatsapp, e fica esperando alguma coisa do tipo pra se juntar, em bando, e comentar asneiras. Não dou ouvidos. Nem deveríamos. Este texto, portanto, é para quem quer ler e entender por qual motivo a entrevistadora foi assediada, não elogiada, e como isso é reflexo do machismo que a gente encara todo santo dia.
A princípio, não consegui ver o vídeo inteiro. Não achei que fosse ser capaz, mas fui. A Carol começa lindamente, demonstrando que fez um puta trabalho de pesquisa, o que imagino que seja um reflexo já implícito dessa sociedade nossa, que faz com que a mulher precise se esforçar muito mais do que os colegas homens. Já reparou nisso? Em como a mulher precisa ser extremamente dedicada pra conseguir um espaço em que seja valorizada para além da aparência? Pois bem. Carol faz perguntas sobre a carreira do Vin Diesel sobre fatos que, sinceramente, eu jamais saberia não fosse por ela. Tá claro que ela fez o dever de casa, e muito bem. As perguntas não são do tipo "qual é a sua cor favorita?", não, meu amigo: são perguntas de quem sabe o que é o papel do jornalismo bem feito. E, vai por mim, eu tenho certeza que você não espera tamanha excelência de um cara. Somos cobradas mais porque precisamos nos provar pra conseguir qualquer coisa. Carol faz isso. Lindamente.
Aí ele interrompe uma pergunta sobre o Tom Hanks pra falar, já num tom esquisito, que ela é linda e ele está apaixonado. Ela leva numa boa, diz que está envergonhada e busca voltar ao assunto, claramente incomodada: "Obrigada, estou envergonhada. Conte-me sua história [com o Tom Hanks]...", e o cara não se liga, aproveita a fala da Carol pra chamá-la pra sair dali, pra que ela conte a história dela, que claramente não vem ao caso. Só isso já seria completamente sem noção, pra dizer o mínimo, uma vez que ninguém interrompe homem em seu ambiente de trabalho pra falar, tipo: "Deixe disso, vamos almoçar, conte-me o que quiser". Mas, tá, vai, pra galera que crê que ~mimimi elogio não é problema~, eu digo que talvez fosse okay se ele tivesse parado por aí.
MAS NÃO.
Ele repete.
Mais duas vezes.
A segunda me deu nojo, pra ser franca. Ele diz: "you're so fucking sexy" (você é sexy para caramba). Sexy? Sexy não é elogio. Não no contexto de uma entrevista com uma profissional. Num bar, talvez. Num encontro, quem sabe. Não numa entrevista, jamais numa entrevista. Depois, ele diz que está apaixonado — e aqui a Carol não deixa passar uma cara de desprezo, nervosismo e incômodo. Diz que a ama. Começa a caminhar na direção dela(!!!) como que para um abraço meio absurdo ou mesmo para se esfregar(!!!) nela. Se você não viu essa parte da entrevista, concordo com você, pode ter sido "só" um elogio. Tendo visto, você não pode simplesmente dizer que não houve assédio.
Se você procurar no google o significado de assédio, aparece assim: insistência impertinente, perseguição, sugestão ou pretensão constantes em relação a alguém. Ponto. Se a Carol já ficou visivelmente envergonhada e querendo seguir com a entrevista logo na primeira "investida" do Vin Diesel e mesmo assim ele continuou, isso é assédio, ponto. Eu não quero saber como ela agiu com outros atores. Este pensamento é tão ridículo e fica ridiculamente explicitado quando coloco assim:
imagine que você está saindo com uma menina. Antes de sair contigo, ela saiu com outro cara, com quem transou na primeira noite. Vocês estão no primeiro encontro, mas ela deixa claro que não tem intenção em ir para a cama contigo. Você vai mesmo assim, forçando-a, dizendo que ela aceitou com o outro cara. O nome é estupro. Ponto.
O passado de uma pessoa não justifica qualquer tipo de violência verbal, psicológica ou física. Eu não quero saber o que Carol fez no passado, com quem, onde ou como. Eu quero saber do que aconteceu agora, e tem vídeo comprovando. Por que é tão difícil aceitar uma denúncia? Por que é tão mais fácil fazer um esforço absurdo pra culpar a vítima do que pra condenar uma atitude explicitamente condenável? Por que é tão mais fácil procurar qualquer "brecha" que seja na história da Carol do que aceitar que o Vin Diesel foi, além de sem profissionalismo, um machista escroto e babaca?
E eu não vou nem entrar no mérito do cara ter vindo pro Brasil pensando que podia fazer o que quisesse, porque mulher brasileira sofre uma hiper-sexualização absurda, fomentada por todos os tipos de mídia, o que coloca na cabeça desses gringos que aqui é tudo liberado. Não é. Assédio não é liberado em qualquer lugar do planeta. E se ele não percebeu o desconforto da moça, pelo amor de Deus, eu não quero nem pensar no quanto de bom senso falta na cabeça dele.
Aliás, para ser sincera, e partindo pro encerramento, já parou para pensar que mesmo que não fosse bonita, a Carol ainda poderia sofrer assédio? Porque ou é bonita e só vale por conta disso ou é feia, fora dos padrões, e não serve justamente por conta disso. Não existe competência que transpasse aparência física. Não existe cérebro, carreira ou profissionalismo que substitua a ideia de que somos manequins que servem tão somente ao "apetite", à falta de noção e ao ego masculino, porque "homem é assim mesmo", "é do instinto". Por isso precisamos constantemente nos provar. Por isso precisamos constantemente ser perfeitas, e, como no caso da Carol, mesmo assim estamos passíveis de que ignorem completamente nossa competência.
Para o homem, há sempre uma desculpa: "foi só um elogio". Para a mulher, há sempre uma condenação: "para de drama, vadia mimizenta".
Mariana Godoy também passou por um episódio do tipo com Crivella, que, depois de um debate sobre política, achou de bom tom dizer que a audiência elevada deu-se por conta da beleza das apresentadora. Ela acenou um tchauzinho de miss, quase paralisada, estática, como um perfeito manequim de vitrine. Porque é assim que nos querem: manequins. Manequim não pensa. Manequim não fala. Manequim não estuda, não frequenta universidade, não se forma. Manequim não trabalha, não recebe salário. Manequim só serve para agradar aos olhos.
Para o homem, há sempre uma desculpa: "foi só um elogio". Para a mulher, há sempre uma condenação: "para de drama, vadia mimizenta".
Mariana Godoy também passou por um episódio do tipo com Crivella, que, depois de um debate sobre política, achou de bom tom dizer que a audiência elevada deu-se por conta da beleza das apresentadora. Ela acenou um tchauzinho de miss, quase paralisada, estática, como um perfeito manequim de vitrine. Porque é assim que nos querem: manequins. Manequim não pensa. Manequim não fala. Manequim não estuda, não frequenta universidade, não se forma. Manequim não trabalha, não recebe salário. Manequim só serve para agradar aos olhos.
Basta.